Irton Batman Silva e o Batuqueiros do Silêncio
A partir de um edital que eu aprovei em 2008, com um projeto que eu escrevi, um projeto chamado Som da Pele: uma experiência musical que ultrapassa os limites do som. Escrevi esse projeto depois de assistir o filme chamado O Resto é silencio, que mostra que alguns surdos têm curiosidades a respeito da música e das sensações que a música traz para nós. E aí esse projeto ia acontecer em uma ONG de Casa Amarela, a diretora até me ajudou a escrever o projeto porque eu não tinha muita experiência em colocar as ideias no papel. Ela me ajudou. Ela tem um filho que tem Síndrome de Down. E ai ela falou antes de sair o resultado do edital, ela falou que ia ser legal montar uma banda com o filho dela e pessoas com outras deficiência. Ai eu falei que vai ser legal no final do projeto. Ai ela não entendeu, ela achou que eu estava excluindo o filho dela e as outras pessoas da ONG. Eu falei que eu não to excluindo ninguém. Eu não trabalho com exclusão não, quer dizer agora eu trabalho. Eu quero excluir do meu raio de convivência qualquer tipo de eleitor daquele filhote de Hitler. Eu não tenho saúde não pra conviver com bolsominion. Na época o tempo era diferente e eu não trabalha com exclusão. Como ela não entendia a proposta de trabalhar somente com pessoas surdas, eu tive que mudar toda a estratégia e procurar uma outra ONG para abraçar e entender realmente qual era a proposta.
Hoje, tem muitos educadores ouvintes que já me procuram alguns anos pra conhecer a metodologia MusiLibras, mas um educador surdo vai ter um trânsito muito mais livre do que um educador ouvinte. Além de tudo o fato da gente trabalhar com a questão da identidade. Então, quando a gente manda um educador surdo realizar uma oficina de música pra surdos, então a gente está trabalhando completamente a questão da identidade deles. Ai alguns projetos estão surgindo e eu fico feliz. Como o do amigo lá de Garanhuns, Paulo Ferreira, também conhecido como Paulo Pezão.
Paulo Pezão iniciou um projeto chamado O Som do Silêncio inspirado no nosso projeto. E ele foi o primeiro educador que recebeu um metrônomo visual, que eu o presenteei com um metrônomo visual para ele dar continuidade desse projeto, pra essa missão de despertar a musicalidade surda.
O projeto ao todo vai fazer 10 anos ano que vem. Eu tinha acabado de sair de São Paulo e voltado pra Recife e tinha começado o meu curso de pedagogia na UFPE, quando em abril de 2009 começamos em Recife com os surdos que entraram naquele período, e ainda tem surdos que permanecem até hoje. E eles são pessoas bem mais seguras hoje em dia, bem mais conscientes do seu espaço na sociedade e bem mais preparadas para encarar diálogos. Porque eu não posso falar pelos surdos, mas a gente já promoveu vários debates em várias cidades onde a gente se apresentou e fez varias oficinas e eu sempre provoco os meus alunos surdos de recife a iniciar um debate com os surdos de outros lugares. Para cada um falar como é viver em suas cidades. Como em cada cidade tem seus símbolos, signos e a galera que tem algum tipo de deficiência demora mais para entender esses signos do que as pessoas que nasceram com todos os sentidos funcionando. Não se sabe até quando. A gente sabe quando nasce, mas não sabe como vai envelhecer, né cara. Então, tem gente que nasce com todos os sentidos funcionando, mas daqui a alguns anos pode perder um ou dois sentidos.
Eu observei ao longo desses anos que o alfabeto MusiLibras, que é um alfabeto que eu criei em forma de sinais visuais para identificar as figuras de tempo musical, um grande ganho para a comunidade surda. Ele é muito funcional. Ele simplifica a coisa. E quando eu vejo um surdo, que agora a gente está formando educadores surdos, quando eu vejo um surdo se apropriar desse alfabeto e colocar, acrescentar referências surdas, porque eu por mais boa vontade que eu tenha criando essas ferramentas, eu ainda sou um ouvinte. Então, vai ter uma falha na comunicação em algum lugar. Ai quando um surdo pega o nosso alfabeto e acrescenta e corrige alguns sinais é ai que eu observo a funcionalidade desse alfabeto. A gente está ampliando e criando novos sinais pra falar de outros elementos que acompanham a música, pra estar investindo um outro vocabulário com outros sinais pra representar ambientes que os surdos não frequentavam antes, como camarim, como passagem de som e a própria apresentação. Eu to criando um outro vocabulário ai pra área técnica, microfone, cabo, mesa de som, amplificador, que a gente tá avançando com o nosso objetivo, que além de formar educadores surdos, a gente também está formando pessoas musicalmente conscientes. Porque é legal ver um surdo pegar um tambor e tocar, mas é bem mais legal ver um surdo pegar um tambor e saber a hora certa de tocar. E saber a intensidade certa de tocar. Po, isso é que é o mais foda de tudo isso. E o metrônomo, cara, ele é uma tecnologia assistiva na educação musical brasileira. Tem um educador em Garanhuns, como já disse e ele é o primeiro cara que tá usando o metrônomo em projeto que não é do nosso instituto. Eu to trabalhando a evolução do metrônomo, cara, com outros tipos de tecnologias ai pra invés de ter quatro canais, eu ter dezesseis canais e poder construir frases muito mais complexas e poder explorar ainda mais a musicalidade dos surdos, porque os limites existem nos ouvidos de quem ouve e não nas mãos de quem toca.
Fotografia
Zé Diniz